O recente alagamento ocorrido em alguns pontos da
cidade de Rio Grande trouxe à tona um assunto que há quase 90 anos se perpetua
como um dos grandes problemas a ser resolvido em nossa cidade: A rede de
esgotos e o escoamento das águas das chuvas.
Rua General Vitorino esquina com a rua Francisco Marque. Fonte: Belas Imagens Rio-Grandinas http://www.facebook.com/belas.imagens.rg?fref=ts |
No final do século XIX Rio Grande crescia física
e demograficamente. Dentro das demandas de uma cidade que se urbanizava de
maneira contínua, a discussão quanto a rede de esgotos surgia como um
importante passo para uma cidade saneada. Tamanha era repercussão desse
assunto, que ele ocupava sistematicamente as páginas dos relatórios da
Intendência Municipal, espaço em que se especulava e desejava tal
empreendimento.
Naquele período, a questão do abastecimento de
água se apresentava como o principal obstáculo a ser resolvido pelas nossas
autoridades locais. A virada política no cenário nacional e a ascensão
republicana ao poder, fez emergir uma série de debates higienistas e discursos
modernizadores.
Para estar dentro do conceito republicano de
cidade, era preciso ser uma cidade limpa, saudável e higiênica. Rio Grande estava
muito distante de atingir estes conceitos, chegando a ser considerada uma das
cidades mais sujas e infectas do Estado. Fazia-se mais do que necessário a
elaboração de um projeto de abastecimento de água e rede de esgotos para a
emergente urbe.
A Rio Grande do início do século XX era uma
cidade que vivia tempos rápidos, precisamente marcados pelos apitos das
indústrias locais. Tratava-se de um local estratégico para as finanças do
Estado, um centro comercial por onde entravam e saíam os mais variados produtos
da economia regional e nacional. O velho porto, já não comportava a demanda de
cargas e também não tinha condições de receber navios de maiores calados, o que
de alguma maneira, acabava transferindo o atraque destes cargueiros para o
porto vizinho de Montevidéu.
A necessidade de modernizar a cidade, ou seja, adaptá-la
ao contexto ao qual estava inserida, era uma tarefa desafiadora para as
autoridades locais, que se engalfinhavam em acalorados debates sobre quais
seriam as melhores formas de se atender a esta demanda.
As obras de construção do Novo Porto se iniciaram
em 1907, no mesmo ano, chegava à cidade – a pedido da Intendência Municipal- o
famoso engenheiro sanitarista Francisco Saturnino de Brito.
O engenheiro sanitarista Francisco Saturnino de Brito |
Brito, na época, era a maior autoridade do
assunto saneamento no Brasil. Havia realizado os inovadores projetos de
saneamento das cidades de Recife, Campos e Santos. Foi chamado à Rio Grande,
para elaborar justamente um projeto de abastecimento de água e redes de
esgotos.
Durante sua estadia na cidade, Saturnino de
Brito, visitou diversos lugares onde poderiam ser feitas a captação de águas, constatou
justamente que as águas da região eram boas, próprias para o consumo,
entretanto, devido a fatores distanciais e financeiros optou pela região da
antiga área destinada a Companhia Hidráulica Riograndense.
Brito retorna para o centro do país, onde
mantinha seu escritório, e o seu projeto de abastecimento de água e saneamento
de Rio Grande é engavetado, por nossas autoridades, por considerarem suas
idéias inovadoras demais e consequentemente, muito caras. Para se ter uma pequena dimensão do complexo
projeto desenhado por Saturnino de Brito, ele propunha uma rede doméstica com
duas tubulações distintas identificáveis. A água destinada a fins não
consumíveis seria retirada do Saco da Mangueira, em contrapartida, a água do
consumo doméstico seria facilmente identificada pela tubulação de cobre sendo
esta extraída dos poços de captação da Hidráulica.
Passado alguns anos, Francisco Saturnino de Brito
recebeu novamente uma correspondência da Intendência Municipal do Rio Grande,
dessa vez o engenheiro se encontrava na cidade de Recife, Pernambuco. No
entanto, a correspondência não era para comunicar o fato de que ele seria o
responsável pela implantação do projeto e sim, um pedido de formal de desculpas
onde era colocada a falta de verbas como o principal elemento o qual
impossibilitava a realização do projeto. Todavia, neste pedido de desculpas,
também existia outro pedido. O de que: Pudessem ser aproveitadas algumas de
suas idéias e substituídos alguns materiais, por outros de menor preço. Brito
autorizou com uma ressalva! Que fosse comunicado a ele as alterações propostas.
As obras, agora sob a chefia do também engenheiro
sanitarista Florisbello Leivas tiveram início no ano de 1918 e devido a fatores
financeiros e extras - até mesmo a Primeira Guerra Mundial chegou a paralisar
as obras, pois os encanamentos foram comprados na Inglaterra e se encontravam
trancados no porto de Liverpool – demorou muito tempo para que houvesse a
consolidação do projeto.
Em 21 de Agosto de 1923 em uma celebração regada
a champagne, no salão do paço Municipal, era extinta a comissão de saneamento.
As obras de abastecimento de água e rede de esgotos haviam terminado. Assim,
Rio Grande se inseria no seleto grupo das cidades republicanas modernas e
saneadas.
Historicamente antigas questões emergem a partir
do tempo presente e nos fazem refletir. Quase 90 anos depois, percebe-se que o
advento da modernidade ainda é um assunto recorrente na provinciana Noiva do
Mar, uma vez que, estamos passando por um período de investimentos locais e
muitos bairros da cidade ainda carecem de um sistema de rede de esgotos. Mas, o
assunto se faz atual, exatamente pelo fato de que na época de Saturnino de
Brito, o projeto de abastecimento de água e esgotos visava justamente atender o
centro urbano, nicho de concentração da burguesia local. A população
trabalhadora, concentrada já nesse período no bairro Cidade Nova e no Cedros,
assistiu ao projeto de saneamento do Rio Grande de longe, tirando água da
cacimba e armazenado-a em latas e tinas.
Rua General Vitorino. Fonte: Belas Imagens Rio-Grandinas. http://www.facebook.com/belas.imagens.rg?fref=ts |
A modernidade se fez presente no Rio Grande, para
alguns poucos, que podiam pagar por ela. Saturnino de Brito havia antecipado o
crescimento da cidade prevendo futuros problemas, mas nossas autoridades locais
negaram-se a investir em um projeto de saneamento eficaz e inovador, optando
pelo genérico, inconcluso. Hoje o que assistimos é um sistema de saneamento que
está ultrapassado, necessitando ser revisado, e quem sabe, das idéias do velho
bom e moderno Brito, não possam surgir novas possibilidades de um novo sistema
diligente e que, acima de tudo esteja ao acesso de todos.