Quando criança sempre
costumava visitar a Festa do Mar, me lembro de ser levado pela minha tia, junto
com os meus primos, para assistir aos shows da Esquadrilha da Fumaça,
normalmente essa ida à grande feira se estendia até a noite, quando tinha os fogos de artifícios.
A primeira vez que vi um
show no palco principal, foi no final dos anos 1990, mais especificamente 1997,
nunca mais esquecerei, ficou marcado na minha memória, uma banda de rock com
integrantes cabeludos a qual eu nem fazia idéia de quem fossem, imaginava ser uma
atração nacional, devido ao tamanho do palco e a comoção do público quando eles
começaram a tocar. Fiquei por poucos minutos ali, estava acompanhado de meus
pais, que não contentes com alguma coisa me arrastaram daquele lugar.
Dias depois, na sala de aula
da escola, contei sobre a minha ida a tal Festa e também sobre a coisa que mais
tinham me chamado atenção, o palco e a banda dos cabeludos. Alguns amigos mais
velhos, mais entendidos do assunto, me disseram que era uma banda da cidade, e o
que se chamava Azul Revés, cujo um dos integrantes era "do Marinha".
Passados alguns anos, já na
década seguinte, anos 2000 eu já era um adolescente quase adulto, apaixonado
por música. Arriscava as primeiras dedadas num pandeiro, que havia ganhado de
minha mãe. Como eu disse, eu havia crescido e não precisava mais de
acompanhantes para me levarem à Feira. Nessa época era fã de pagode, e como
tal, usava calça preta, camisa social com gravata estampada por cartoons e como
não poderia ser diferente, o tradicional sapatinho genérico do Samello de sola
branca.
Independente do fardamento,
que muda de época para época, (eu creio que se vestir como pastor para ir para
os pagodes era mais bonitinho do que o atual cabelo de moicano, calça apertada e camisa
mamãe tô forte, mas tudo bem é saudosismo mesmo eu admito). Como todo
adolescente, aspirante a pagodeiro, nós íamos para os pagodes para ver os grupos
locais, é claro. Pegar mulher era coisa difícil. Naquele período lembro que os
Grupos Só Raízes, Swing Samba Jr, Samba 3, Grupo Mistura, e mais alguns
outros de menor expressão dominavam a cena local neste determinado gênero
musical.
Os shows aconteciam ao lado
da hidroviária, na Rua Riachuelo, num palco muito grande estrategicamente colocado
ao lado do caís. Outro dia, lembro que num dos shows de Rock que fui, Tequila
Baby e Comunidade Ninjtsu na hora do poguero e do pau, alguns meliantes voaram
para dentro da lagoa para se refrescarem. Mas isso são outros quinhentos, eu
nem gostava de rock mesmo, achava aquilo uma loucura e ia só por causa dos
amigos que gostavam daquilo.
Mas nos pagodes... eu me
realizava, me encontrava e sonhava um dia poder tocar o meu pandeiro numa daquelas
bandas da cidade, num palco gigante daqueles, com um público enorme, e ainda
ser sonorizado pela 3º Odisséia (empresa de sonorização de Porto Alegre, na época
uma das maiores do estado).
Mais alguns anos se passaram
e eu havia virado um “músico” de meia tigela, que tocava em qualquer lugar,
simplesmente pela oportunidade de aparecer e mostrar o trabalho do meu grupo de
Pagode.
Posso dizer que com essa
junção de amigos nós conseguimos chegar em quase todos os lugares da cidade,
menos as badaladas casas noturnas que na época não abriam as suas portas para o
gênero de pagode e samba, mas, mesmo assim a banda existiu por alguns anos,
mesmo sendo composta por músicos iniciantes, inexperientes e cabaços.
Digo isso por quê? Ora pelo
simples fato de nós tínhamos a média de idade de 17,18 anos e assim como foi
descrito por mim, sonhávamos em tocar num palco grande, com uma boa sonorização
para um grande público. Fato este que nos levava a bater na porta da “poderosa”
empresária de eventos locais Kátia Valdez, dona da K&G eventos, responsável
pela organização e seleção dos espetáculos artísticos e culturais da Festa do
Mar e Fearg.
No ano de 2002, depois de
muito mendigar uma oportunidade para nos apresentar nestes badalados eventos
locais, nós conseguimos uma chance de tocar no palco principal da Fearg. Em troca,
receberíamos um valioso cachê que não dava nem para pagar o transporte da
banda, já que a nossa base (ensaios e maioria dos integrantes) era do Parque
São Pedro.
Como diz aquele velho ditado:
A primeira vez agente nunca esquece, e realmente foi marcante. Vocês nem
imaginam!! Ensaiamos como uns loucos, todos os dias durante várias semanas,
gastamos grana com instrumentos novos,
passagens para ir aos ensaios todos os
dias, mas também não estávamos muito ligando, o que interessava é que nós íamos
tocar na Fearg. Dizem os mais sábios, pelo menos sempre vejo nas entrevistas
dos artistas que se deram bem na vida, que o apoio da família é fundamental, no
nosso caso, nós tínhamos um baita apoio. Os nossos pais, também empolgados com
a nosso show nos ajudaram com uma grana o qual foi possível mandar
confeccionar uma roupa (blusão) para que todos estivessem bonitinhos na hora de
subir no palco.
Enfim, chegou o grande dia,
nós tocamos e fomos muito bem. A partir desse show nossa banda decolou em
uma carreira meteórica por todas as casas noturnas da cidade, assim como fomos
lançados em uma turnê regional, onde também assinamos um contrato com a Orbeat Music. Brincadeira, estou mentindo, é obvio que não
aconteceu nada disso.
Muito pelo contrário, ao descer do palco no camarim um senhor da ordem dos músicos deu uma intíma na banda, exatamente pelo fato de nenhum de nós ter a carteira de músico. Mas pera aí!! Pra ser músico precisa ter carteira? Nunca me disseram, como eu faço para ter uma? Resumo da ópera, ou melhor, do pagode. Fomos obrigados a no mínimo 4 “músicos” da banda, tirar a carteira de músico.
Muito pelo contrário, ao descer do palco no camarim um senhor da ordem dos músicos deu uma intíma na banda, exatamente pelo fato de nenhum de nós ter a carteira de músico. Mas pera aí!! Pra ser músico precisa ter carteira? Nunca me disseram, como eu faço para ter uma? Resumo da ópera, ou melhor, do pagode. Fomos obrigados a no mínimo 4 “músicos” da banda, tirar a carteira de músico.
O ano seguinte, 2003, era de
Festa do Mar, e nós é claro objetivávamos estar na programação da feira, afinal
de contas, havíamos conseguido mostrar o nosso trabalho, e com êxito. Como
de costume, foi solicitado a gravação de uma demo da banda e a entrega junto
com um reliese contando a história e trajetória do grupo e músicos. Fizemos
tudo de acordo como mandava o manual das boas condutas dos músicos coro da
Kátia Valdez mandava, e obtivemos o seguinte resultado. - Gurizes não foi
possível colocar vocês em nenhum espaço da Feira, vocês não tem experiência.
Ok, obrigado tia, fazer o que né? Nem sempre as coisas são do jeito que a gente
quer.
Passado um tempo nos vimos
convidados pela mesma produtora, a integrar o “badalado" elenco das atrações de
uma feira de “grandes” proporções, a extinta Fenorte. Em troca de nossa
apresentação, uma pequena ajuda nas despesa e a possibilidade de (se ela gostar
de vocês) ela vai contratar para a produtora dela. Enfim, era a oportunidade
que havíamos esperado durante todo aquele tempo de banda. Novamente cometemos
os mesmos erros, ensaiamos, gastamos dinheiro do próprio bolso e tocamos. Em
troca recebemos um muito obrigado, alguns elogios e promessas de futuros
contatos do tipo: eu vou te ligar para marcar uma reunião. Fato este, que
nunca ocorreu.
O tempo passou, os
integrantes cresceram, e as responsabilidades de gente grande chegaram para
todos, logo era hora de tocar a vida pessoal e deixar pra trás aquelas
velhas promessas de contatos, papos de contratantes e muitos calotes. A banda
se desfez.
Voltaria três anos depois,
já em 2006, com algumas modificações de integrantes e de nome.
Com uma proposta menos profissional,e mais de reunião de amigos, o que acabou
não acontecendo, logo nos vimos novamente tocando na noite riograndina, dessa
vez com uma mudança, muito significativa. As “badaladas” casas noturnas da
cidade tinham sucumbido ao samba e pagode, a onda do Maresias Bar havia se
propagado por quase todas as festas que agora faziam questão de contratar os
grupos deste gênero. Abriu-se um baita mercado, agora ocupado por novos grupos
e músicos.
Dessa vez não insistimos em
tocar nas Feiras, mais maduros, calejados e tendo ciência da máfia que existe
por trás destes eventos, nos recolhemos a nossa insignificância,contentando-nos
em cumprir os compromissos agendados. O grupo sobreviveu por mais alguns anos.
Talvez tenha sido justamente a experiência anterior, somado ao amadurecimento
pessoal e musical de todos, o fato que possibilitou uma sobre-vida muito mais
próspera para história de todos ali.
As atividades da vida,
estudos, trabalhos, novamente nos afastaram, levando de vez ao fim daquela
junção de amigos para fazer música e descolar um troco. Eu acabei seguindo o
meu caminho e fiquei completamente fora da cena musical de Rio Grande por
alguns anos.
Quando resolvi voltar para a
musica, a convite do amigo de aula e baterista Leandro da Costa, voltei tocando
outros estilos bem diferentes. Logo me vi de novo na música, no meio de grandes nomes da cena riograndina. Pessoas o qual eu
admirava o trabalho, e muitos outros que eu havia crescido musicalmente vendo
exatamente eles tocaram.
Essa mudança trouxe também
uma nova concepção de música para mim. Não era mais uma brincadeira de amigos,
agora a coisa era séria, era um trabalho que envolvia pessoas, grana, e
responsabilidades redobradas. Foi a partir deste ponto, quando comecei a
conviver com profissionais da música, que percebi o quanto este trabalho é
realmente artístico, pois além dos dons naturais, é preciso ter muita
dedicação.
No ano passado, 2012, eu
acompanhava como músico free lancer uma banda de pagode daqui da cidade. Fomos escalados para abrir o show do Raça Negra, na Festa do Mar, para
mim até então uma novidade. Tocar no palco principal, além de conhecer os
músicos que eu cresci vendo eles nas capas dos discos,era uma sensação bem
estranha e ao mesmo tempo legal. Para a minha surpresa, ou não, a organização
do evento estava ainda nas mãos da Kátia Valdez, só que dessa vez, dividida com
a Pró1, produtora de shows, bandas e eventos Pelotas.
Como eu era contratado,
dessa vez acabei recebendo o meu cachê na Festa do Mar, mas, alguns dias
depois, fiquei sabendo que a banda havia tocado por um valor muito menor do que
costumava cobrar em seus shows, era o velho e tradicional golpe da ajuda de
custo e promessa de contatos com a produtora de Pelotas.
Imagem do público. Festa do Mar 2012 |
Tocando percussão, de preto no centro da foto. Festa do Mar 2012. |
Tá tudo bem! Eu poderia estar roubando,
eu poderia estar matando, eu poderia estar tocando o meu pandeiro no calçadão,
ou quem sabe fazendo uma dupla com aquele tio do violino, mas não!!
Resolvi contar tudo isso, simplesmente porque na semana passada, veio à tona a notícia de que a Festa do Mar não irá pagar cachê aos músicos que irão se apresentar por lá. Alguma novidade até aqui?
Resolvi contar tudo isso, simplesmente porque na semana passada, veio à tona a notícia de que a Festa do Mar não irá pagar cachê aos músicos que irão se apresentar por lá. Alguma novidade até aqui?
O mais incrível disso tudo é
que os elementos ilustrativos da Feira, o Lobo e Leão Marinho e a Anchova parecem estar justamente incorporados dentro do caráter dos organizadores do evento, que se
travestem de anchovas para atrair um grande cardume e posteriormente, despidos
do coro do peixe, aproveitam a sua real faceta de predadores para comê-los. Sempre foi e será assim, e a lei da natureza servindo de inspiração para a lei de mercado.
O
que eu vejo disso tudo??
Músicos profissionais, experientes do
alto escalão riograndino, não irão se submeter aos vergonhosos 250 reais de
ajuda de custo, e estão completamente certos. Muitos outros, como eu outrora, irão
disputar essas vagas em busca das velhas promessas de mostrar trabalho e
possíveis contatos (se a gente gostar do teu show). O movimento de boicote
iniciado nas redes sociais ganhou uma proporção inimaginável para os
organizadores da Feira, a Femar.
A mobilização que envolve a
blogosfera riograndina juntamente com as redes sociais ganhou notoriedade e
chegou até o gabinete do prefeito que abriu as portas do paço para receber as
reivindicações da classe dos músicos. O movimento se fortalece, e ganha corpo
com o apoio da secretaria de cultura em mais uma reunião ouvindo a galera do
barulho.
Você ainda tem alguma dúvida
de que nós podemos fazer muito barulho?
Muito bem, Parabéns.
ResponderExcluirApesar de não ser músico e não foi por falta de tentativas, respeito e muito a classe e os aspirantes a musico e concordo plenamente com todas as questões que estão sendo levantadas e um movimento como este já tirou um prefeito e elegeu outro. Não tenho dúvidas que este movimento vai dar certo.
Aproveitando e indo mais fundo, faço a seguinte pergunta, estas feiras utilizam dinheiro publico e prestam conta deste dinheiro, até aí tudo certo mas o que acontece depois, afinal as contas de musicos, shows, estrutura e outros se paga com verba publica a qual é auditada pelos orgaos responsaveis por liberar a verba, e o que acontece com o dinheiro dos ingressos, da venda dos estandes que é caríssima, e das propinas que ocorrem lá dentro quando só tem 1 vendedor de determinado produto, sim porque o cara do (não vou poder dizer o nome pq ele estará nesta novamente) confidenciou há um amigo que pagou 5 mil reais além do valor do estande para ser o único naquele evento ha vender seu tipo de produto, pergunto novamente pra onde vai esta grana, quem é o responsável por auditar esta grana, e o que é feito com ela quando a feira acaba. Afinal a feira que eu saiba não é pra dar lucro, mas e se der fica com quem?
Olá Frank Castle, ótima pergunta. Sinceramente eu não tenho a menor ideia de como se dá a fiscalização dessa Feira. Mas,realmente é algo que poderia ser melhor esclarecido para a comunidade, principalmente a lida com os repasses de verba pública.
ResponderExcluirAbraço.
Lembro bem da fenorte, o blogueiro (meu primo) me convidou para fazer parte da equipe de apoio a banda, uma especie de auxiliar de palco.
ResponderExcluirSou professora de dança há 17 anos e tbm tivemos a triste notícia da famosa ajuda de custo! Mas infelizmente sabemos que alguns grupos vão se apresentar, o que é uma vergonhaaaaa para tds nós! Dei a cara a tapa! Fui na TV Mar juntamente com o Sandro Vieira e a Mirlaine Garcia representante do grupo Corpo e Alma declarar que não íamos aceitar esmolas! Estou direto divulgando na mídia.
ResponderExcluirMas com sinceridade estou envergonhada por saber que alguns puxa-sacos lambe palco, preferiram ser trairas da nossa classe! E digo nossa porque com certeza quem se sujeitar a isso da minha classe não é.
Parabéns pelo texto Ticiano! Vamos juntos nessa luta! Chega de receber "ajuda de custo" ou "espaço pra mostrar o trabalho". Vamos mudar essa triste realidade!
ResponderExcluirO pior de tudo que isto não acontece só no cenário riograndino ,em POA e em diversas outras cidades os sangue sugas de bares e produtoras estupram a moral e a arte dos musicos, aproveitando-se da ingenuidade e a necessidade de poder mostrar o seu trabalho.
ResponderExcluirPS: abaixo fica uma contribuição sobre o tema...um cenário dos rock gaucho de Poa
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=hOaM_UNqs7s