quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Lobos em coro de Anchova






Quando criança sempre costumava visitar a Festa do Mar, me lembro de ser levado pela minha tia, junto com os meus primos, para assistir aos shows da Esquadrilha da Fumaça, normalmente essa ida à grande feira se estendia até a noite, quando tinha os fogos de artifícios. 

A primeira vez que vi um show no palco principal, foi no final dos anos 1990, mais especificamente 1997, nunca mais esquecerei, ficou marcado na minha memória, uma banda de rock com integrantes cabeludos a qual eu nem fazia idéia de quem fossem, imaginava ser uma atração nacional, devido ao tamanho do palco e a comoção do público quando eles começaram a tocar. Fiquei por poucos minutos ali, estava acompanhado de meus pais, que não contentes com alguma coisa me arrastaram daquele lugar. 

Dias depois, na sala de aula da escola, contei sobre a minha ida a tal Festa e também sobre a coisa que mais tinham me chamado atenção, o palco e a banda dos cabeludos. Alguns amigos mais velhos, mais entendidos do assunto, me disseram que era uma banda da cidade, e o que se chamava Azul Revés, cujo um dos integrantes era "do Marinha". 

Passados alguns anos, já na década seguinte, anos 2000 eu já era um adolescente quase adulto, apaixonado por música. Arriscava as primeiras dedadas num pandeiro, que havia ganhado de minha mãe. Como eu disse, eu havia crescido e não precisava mais de acompanhantes para me levarem à Feira. Nessa época era fã de pagode, e como tal, usava calça preta, camisa social com gravata estampada por cartoons e como não poderia ser diferente, o tradicional sapatinho genérico do Samello de sola branca. 


Independente do fardamento, que muda de época para época, (eu creio que se vestir como pastor para ir para os pagodes era mais bonitinho do que o atual cabelo de moicano, calça apertada e camisa mamãe tô forte, mas tudo bem é saudosismo mesmo eu admito). Como todo adolescente, aspirante a pagodeiro, nós íamos para os pagodes para ver os grupos locais, é claro. Pegar mulher era coisa difícil. Naquele período lembro que os Grupos Só Raízes, Swing Samba Jr, Samba 3, Grupo Mistura, e mais alguns outros de menor expressão dominavam a cena local neste determinado gênero musical.

Os shows aconteciam ao lado da hidroviária, na Rua Riachuelo, num palco muito grande estrategicamente colocado ao lado do caís. Outro dia, lembro que num dos shows de Rock que fui, Tequila Baby e Comunidade Ninjtsu na hora do poguero e do pau, alguns meliantes voaram para dentro da lagoa para se refrescarem. Mas isso são outros quinhentos, eu nem gostava de rock mesmo, achava aquilo uma loucura e ia só por causa dos amigos que gostavam daquilo.

Mas nos pagodes... eu me realizava, me encontrava e sonhava um dia poder tocar o meu pandeiro numa daquelas bandas da cidade, num palco gigante daqueles, com um público enorme, e ainda ser sonorizado pela 3º Odisséia (empresa de sonorização de Porto Alegre, na época uma das maiores do estado). 

Mais alguns anos se passaram e eu havia virado um “músico” de meia tigela, que tocava em qualquer lugar, simplesmente pela oportunidade de aparecer e mostrar o trabalho do meu grupo de Pagode. 

Posso dizer que com essa junção de amigos nós conseguimos chegar em quase todos os lugares da cidade, menos as badaladas casas noturnas que na época não abriam as suas portas para o gênero de pagode e samba, mas, mesmo assim a banda existiu por alguns anos, mesmo sendo composta por músicos iniciantes, inexperientes e cabaços. 

Digo isso por quê? Ora pelo simples fato de nós tínhamos a média de idade de 17,18 anos e assim como foi descrito por mim, sonhávamos em tocar num palco grande, com uma boa sonorização para um grande público. Fato este que nos levava a bater na porta da “poderosa” empresária de eventos locais Kátia Valdez, dona da K&G eventos, responsável pela organização e seleção dos espetáculos artísticos e culturais da Festa do Mar e Fearg. 

No ano de 2002, depois de muito mendigar uma oportunidade para nos apresentar nestes badalados eventos locais, nós conseguimos uma chance de tocar no palco principal da Fearg. Em troca, receberíamos um valioso cachê que não dava nem para pagar o transporte da banda, já que a nossa base (ensaios e maioria dos integrantes) era do Parque São Pedro.
Como diz aquele velho ditado: A primeira vez agente nunca esquece, e realmente foi marcante. Vocês nem imaginam!! Ensaiamos como uns loucos, todos os dias durante várias semanas, gastamos  grana com instrumentos novos, passagens para ir aos ensaios  todos os dias, mas também não estávamos muito ligando, o que interessava é que nós íamos tocar na Fearg. Dizem os mais sábios, pelo menos sempre vejo nas entrevistas dos artistas que se deram bem na vida, que o apoio da família é fundamental, no nosso caso, nós tínhamos um baita apoio. Os nossos pais, também empolgados com a nosso show nos ajudaram com uma grana o qual foi possível mandar confeccionar uma roupa (blusão) para que todos estivessem bonitinhos na hora de subir no palco.

Enfim, chegou o grande dia, nós tocamos e fomos muito bem. A partir desse show nossa banda decolou em uma carreira meteórica por todas as casas noturnas da cidade, assim como fomos lançados em uma turnê regional, onde também assinamos um contrato com a Orbeat Music. Brincadeira, estou mentindo, é obvio que não aconteceu nada disso. 

Muito pelo contrário, ao descer do palco no camarim um senhor da ordem dos músicos deu uma intíma na banda, exatamente pelo fato de nenhum de nós ter a carteira de músico. Mas pera aí!! Pra ser músico precisa ter carteira? Nunca me disseram, como eu faço para ter uma? Resumo da ópera, ou melhor, do pagode. Fomos obrigados a no mínimo 4 “músicos” da banda, tirar a carteira de músico. 

O ano seguinte, 2003, era de Festa do Mar, e nós é claro objetivávamos estar na programação da feira, afinal de contas, havíamos conseguido mostrar o nosso trabalho, e com êxito. Como de costume, foi solicitado a gravação de uma demo da banda e a entrega junto com um reliese contando a história e trajetória do grupo e músicos. Fizemos tudo de acordo como mandava o manual das boas condutas dos músicos coro da Kátia Valdez mandava, e obtivemos o seguinte resultado. - Gurizes não foi possível colocar vocês em nenhum espaço da Feira, vocês não tem experiência. 

Ok, obrigado tia, fazer o que né? Nem sempre as coisas são do jeito que a gente quer.
Passado um tempo nos vimos convidados pela mesma produtora, a integrar o “badalado" elenco das atrações de uma feira de “grandes” proporções, a extinta Fenorte. Em troca de nossa apresentação, uma pequena ajuda nas despesa e a possibilidade de (se ela gostar de vocês) ela vai contratar para a produtora dela. Enfim, era a oportunidade que havíamos esperado durante todo aquele tempo de banda. Novamente cometemos os mesmos erros, ensaiamos, gastamos dinheiro do próprio bolso e tocamos. Em troca recebemos um muito obrigado, alguns elogios e promessas de futuros contatos do tipo: eu vou te ligar para marcar uma reunião. Fato este, que nunca ocorreu.

O tempo passou, os integrantes cresceram, e as responsabilidades de gente grande chegaram para todos, logo era hora de tocar a vida pessoal e deixar pra trás aquelas velhas promessas de contatos, papos de contratantes e muitos calotes. A banda se desfez.
Voltaria três anos depois, já em 2006, com algumas modificações de integrantes e de nome. Com uma proposta menos profissional,e mais de reunião de amigos, o que acabou não acontecendo, logo nos vimos novamente tocando na noite riograndina, dessa vez com uma mudança, muito significativa. As “badaladas” casas noturnas da cidade tinham sucumbido ao samba e pagode, a onda do Maresias Bar havia se propagado por quase todas as festas que agora faziam questão de contratar os grupos deste gênero. Abriu-se um baita mercado, agora ocupado por novos grupos e músicos. 

Dessa vez não insistimos em tocar nas Feiras, mais maduros, calejados e tendo ciência da máfia que existe por trás destes eventos, nos recolhemos a nossa insignificância,contentando-nos em cumprir os compromissos agendados. O grupo sobreviveu por mais alguns anos. Talvez tenha sido justamente a experiência anterior, somado ao amadurecimento pessoal e musical de todos, o fato que possibilitou uma sobre-vida muito mais próspera para história de todos ali. 

As atividades da vida, estudos, trabalhos, novamente nos afastaram, levando de vez ao fim daquela junção de amigos para fazer música e descolar um troco. Eu acabei seguindo o meu caminho e fiquei completamente fora da cena musical de Rio Grande por alguns anos.
Quando resolvi voltar para a musica, a convite do amigo de aula e baterista Leandro da Costa, voltei tocando outros estilos bem diferentes. Logo me vi de novo na música, no meio de grandes nomes da cena riograndina. Pessoas o qual eu admirava o trabalho, e muitos outros que eu havia crescido musicalmente vendo exatamente eles tocaram. 

Essa mudança trouxe também uma nova concepção de música para mim. Não era mais uma brincadeira de amigos, agora a coisa era séria, era um trabalho que envolvia pessoas, grana, e responsabilidades redobradas. Foi a partir deste ponto, quando comecei a conviver com profissionais da música, que percebi o quanto este trabalho é realmente artístico, pois além dos dons naturais, é preciso ter muita dedicação. 
No ano passado, 2012, eu acompanhava como músico free lancer uma banda de pagode daqui da cidade. Fomos escalados para abrir o show do Raça Negra, na Festa do Mar, para mim até então uma novidade. Tocar no palco principal, além de conhecer os músicos que eu cresci vendo eles nas capas dos discos,era uma sensação bem estranha e ao mesmo tempo legal. Para a minha surpresa, ou não, a organização do evento estava ainda nas mãos da Kátia Valdez, só que dessa vez, dividida com a Pró1, produtora de shows, bandas e eventos Pelotas. 

Como eu era contratado, dessa vez acabei recebendo o meu cachê na Festa do Mar, mas, alguns dias depois, fiquei sabendo que a banda havia tocado por um valor muito menor do que costumava cobrar em seus shows, era o velho e tradicional golpe da ajuda de custo e promessa de contatos com a produtora de Pelotas. 


Imagem do público. Festa do Mar 2012

Tocando percussão, de preto no centro da foto. Festa do Mar 2012.

Tá tudo bem! Eu poderia estar roubando, eu poderia estar matando, eu poderia estar tocando o meu pandeiro no calçadão, ou quem sabe fazendo uma dupla com aquele tio do violino, mas não!! 
Resolvi contar tudo isso, simplesmente porque na semana passada, veio à tona a notícia de que a Festa do Mar não irá pagar cachê aos músicos que irão se apresentar por lá. Alguma novidade até aqui?

O mais incrível disso tudo é que os elementos ilustrativos da Feira, o Lobo e Leão Marinho e a Anchova parecem estar justamente incorporados dentro do caráter dos organizadores do evento, que se travestem de anchovas para atrair um grande cardume e posteriormente, despidos do coro do peixe, aproveitam a sua real faceta de predadores para comê-los. Sempre foi e será assim, e a lei da natureza servindo de inspiração para a lei de mercado.



O que eu vejo disso tudo??  
Músicos profissionais, experientes do alto escalão riograndino, não irão se submeter aos vergonhosos 250 reais de ajuda de custo, e estão completamente certos. Muitos outros, como eu outrora, irão disputar essas vagas em busca das velhas promessas de mostrar trabalho e possíveis contatos (se a gente gostar do teu show). O movimento de boicote iniciado nas redes sociais ganhou uma proporção inimaginável para os organizadores da Feira, a Femar.
A mobilização que envolve a blogosfera riograndina juntamente com as redes sociais ganhou notoriedade e chegou até o gabinete do prefeito que abriu as portas do paço para receber as reivindicações da classe dos músicos. O movimento se fortalece, e ganha corpo com o apoio da secretaria de cultura em mais uma reunião ouvindo a galera do barulho. 

Você ainda tem alguma dúvida de que nós podemos fazer muito barulho?








6 comentários:

  1. Muito bem, Parabéns.
    Apesar de não ser músico e não foi por falta de tentativas, respeito e muito a classe e os aspirantes a musico e concordo plenamente com todas as questões que estão sendo levantadas e um movimento como este já tirou um prefeito e elegeu outro. Não tenho dúvidas que este movimento vai dar certo.

    Aproveitando e indo mais fundo, faço a seguinte pergunta, estas feiras utilizam dinheiro publico e prestam conta deste dinheiro, até aí tudo certo mas o que acontece depois, afinal as contas de musicos, shows, estrutura e outros se paga com verba publica a qual é auditada pelos orgaos responsaveis por liberar a verba, e o que acontece com o dinheiro dos ingressos, da venda dos estandes que é caríssima, e das propinas que ocorrem lá dentro quando só tem 1 vendedor de determinado produto, sim porque o cara do (não vou poder dizer o nome pq ele estará nesta novamente) confidenciou há um amigo que pagou 5 mil reais além do valor do estande para ser o único naquele evento ha vender seu tipo de produto, pergunto novamente pra onde vai esta grana, quem é o responsável por auditar esta grana, e o que é feito com ela quando a feira acaba. Afinal a feira que eu saiba não é pra dar lucro, mas e se der fica com quem?

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  2. Olá Frank Castle, ótima pergunta. Sinceramente eu não tenho a menor ideia de como se dá a fiscalização dessa Feira. Mas,realmente é algo que poderia ser melhor esclarecido para a comunidade, principalmente a lida com os repasses de verba pública.
    Abraço.

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  3. Lembro bem da fenorte, o blogueiro (meu primo) me convidou para fazer parte da equipe de apoio a banda, uma especie de auxiliar de palco.

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  4. Sou professora de dança há 17 anos e tbm tivemos a triste notícia da famosa ajuda de custo! Mas infelizmente sabemos que alguns grupos vão se apresentar, o que é uma vergonhaaaaa para tds nós! Dei a cara a tapa! Fui na TV Mar juntamente com o Sandro Vieira e a Mirlaine Garcia representante do grupo Corpo e Alma declarar que não íamos aceitar esmolas! Estou direto divulgando na mídia.
    Mas com sinceridade estou envergonhada por saber que alguns puxa-sacos lambe palco, preferiram ser trairas da nossa classe! E digo nossa porque com certeza quem se sujeitar a isso da minha classe não é.

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  5. Parabéns pelo texto Ticiano! Vamos juntos nessa luta! Chega de receber "ajuda de custo" ou "espaço pra mostrar o trabalho". Vamos mudar essa triste realidade!

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  6. O pior de tudo que isto não acontece só no cenário riograndino ,em POA e em diversas outras cidades os sangue sugas de bares e produtoras estupram a moral e a arte dos musicos, aproveitando-se da ingenuidade e a necessidade de poder mostrar o seu trabalho.

    PS: abaixo fica uma contribuição sobre o tema...um cenário dos rock gaucho de Poa

    https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=hOaM_UNqs7s

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