segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

A tragédia da vida privada



Em tempos de informações rápidas, de muitos canais de televisão ao seu dispor, e ao contrário de tudo que pode parecer, muito pouca leitura, a idiotice humana parece tomar rumos irreversíveis. 

As redes sociais são o maior exemplo disso tudo. Há alguns anos, como usuário atento, acompanho a evolução do movimento de exposição íntima do ser humano. Mas o estranho disso tudo, é que existe uma grande contradição dentro da sociedade. Se na vida real, as pessoas fazem questão de manterem a sua intimidade, por outro lado, trancados dentro de um quarto ou de frente a um espelho de banheiro são capazes de tirar fotos em trajes íntimos e publicar na vida digital. 

Imagem retirada da rede social facebook


Durante muitos anos, a História ocultou, simplesmente não existia, por mais que os estudiosos quisessem entender como funcionava o cotidiano de determinado povo, eles somente iam ficar na curiosidade, pois este tipo de situações não eram consideradas importantes para a tradicional forma de escrever a História. 

Nas primeiras décadas do século XX, as coisas dentro do campo historiográfico começaram a mudar. A incorporação do estudo das ciências auxiliares, como a sociologia, filosofia, arqueologia, antropologia e filosofia, trouxeram novas metodologias investigativas. Nascia assim, alguns anos depois, a Escola dos Annales, movimento intelectual que revolucionou a forma de escrever e de fazer história. 

Resumidamente este movimento intelectual trouxe uma nova percepção de entendimento da história. Ela não precisava mais ficar pautada nos grandes acontecimentos, encabeçados pelos “heróis”. Dentro dessa nova tendência, um simples diário, ou uma carta poderiam ser utilizados para entender o cotidiano das pessoas, as quais a história havia tratado de esquecer ao longo dos anos.

O aperfeiçoamento de milhares de escritos de cientistas envolvidos neste movimento levou a publicação de uma coleção lançada inicialmente na Europa e depois no Brasil, cujo sucesso e repercussão causaram uma hecatombe dentro do campo científico das ciências humanas, A História da Vida Privada. 
Coleção dos 5 Volumes da História da Vida Privada na Europa

Tá! E o que isso tem a ver com as redes sociais? Bueno, como diria Jack, vamos por partes.
Para que nós pudéssemos ter ciência de como era o dia a dia dos romanos, ou dos homens da Idade Média e renascença demoramos séculos, foi preciso quebrar tabus, e revolucionar a forma de escrever e contar a História.  

A chegada da internet aqui no Brasil é recente, data da década de 1990. Em 1995, a novela global Explode Coração (aquela do Cigano Igor) revolucionava com personagens que se comunicavam por intermédio da rede mundial de computadores. Era o prenúncio do estava por vir, a ante-ante sala do inferno.

O século XXI, os anos 2000 trouxeram com ele a popularização da internet, as salas de bate papo mIRC, Uol e posteriormente o revolucionário MSN, ditaram as tendências do que estávamos prestes a presenciar. Não era mais preciso ficar horas rasgando aquela guria pra conseguir um retrato!

Painel do programa de bate papo mIRC
A chegada e popularização do finado Orkut (que Deus o tenha), deram o tom a ser seguido. Fotos de cenas cotidianas acompanhadas de comentários, nos davam justamente a noção do ter, estar e conhecer, sem estar ou conhecer pessoalmente os indivíduos ali expostos. Era a ante sala do inferno. 

Ou seja, quando tu realmente fosse conhecer essa pessoa, já era possível saber muitas coisas a respeito de sua vida, tais como situações, viagens, amigos etc.

O Orkut foi morrendo aos poucos, ao mesmo tempo em que a onda de exposição da intimidade ganhava novas ferramentas e milhares de adeptos ao redor do mundo. A chegada e posteriormente a popularização do facebook, twiter e instagran no Brasil, tornou a situação nas redes sociais uma Babel do século XXI, que ao contrário da bíblica, onde cada um falava uma língua, aqui o problema é que cada um defende a sua bandeira e pode se tornar o maior especialista em qualquer assunto conforme a situação demandar. Bem vindos ao inferno.

O fato é que, muitas vezes nos irritamos com tamanha exposição, do tipo fui fazer as unhas na Fulana, ou, o que na minha opinião é pior e mais sofrível, o compartilhamento de correntes, ou de imagens com meia dúzia de besteiras escritas em baixo, do tipo o texto do Arnaldo Jabor sobre os gaúchos. 

Falta para todos nós filtro. Exatamente filtrar informações, e notícias, aprender a ver com outros olhos. Antes de sair clicando nos botõezinhos curtir e compartilhar, se dê o trabalho de perder 5 preciosos minutos de sua vida, para digitar isso no Google e ver o que dois três ou quatro sites distintos falam sobre o mesmo assunto, isso reduziria em muito as postagens sem fundamentos que somos obrigados a ver todos os dias. 




Mas o que isso tem a ver com vida privada? Tudo, pois ao sair clicando, e comentando essas bobagens o ser humano expõe a sua condição ridícula e medíocre, de papagaio. Ou, visto por outros olhos, poderíamos dizer que o personagem de Charles Chaplin em Tempos Modernos, que só sabia apertar parafusos em uma linha de produção fabril, no século XXI ganhou uma nova roupagem na internet, o cara que só sabe clicar no botão compartilhar. Affffffff axo q istô falando de maiiiiiiiiissss.


Mas eu falei, falei, falei e ainda não cheguei onde eu queria. Então como diria Mestre Lauro, voltamos a vaca fria!! 

 A tragédia de Santa Maria, nesse fatídico domingo 27/01/2013, trouxe à tona o que para mim foi o ápice da mediocridade humana. Além dos veículos de informação, como de costume, utilizarem o sofrimento de milhares de pessoas, para transformar em pontos de audiência.a cereja do bolo ficou por conta do monte de absurdos que circularam nas redes sociais. 

Mas o que ganhou as páginas do facebook na cidade surreal (como diria Chico), foi justamente a utilização dessa tragédia como promoção individual, com fins políticos como fez o beato e ex coroinha vereador Julio César, ou também, como forma de demonstrar a sua virilidade “masculina”, através da exposição do ridículo, como fez o jovem cérebro de ervilha Fernando Schwartz Filho. 

Vereador Julio Cesar exibindo a sua participação com a Cruz Vermelha na Tragédia de Santa Maria


O cérebro de ervilha


Nessas 24 horas que sucederam a tragédia, tentei me manter longes dos debates, jurando pra mim mesmo que não iria me manifestar, e sequer abrir o facebook para ver a centena de mensagens de luto, fotos de bombeiros heróis, ou até mesmo as religiosas de pastores que foram capazes de prever o acontecimento através de uma imagem de um integrante da banda. 

Sensibilidade espiritual

 Acontece que eu não consegui, e precisei escrever, para justamente falar dessa exposição ridícula que muitos de nós causamos ao clicar no botãozinho ao lado. Muitos de nossos verdadeiros valores, e de coisas as quais realmente prezamos são jogadas por água a baixo, quando expomos uma foto, ou uma frase. Outros, até diriam que as redes sociais são capazes de demonstrar a verdadeira face do indivíduo. 

Sinceramente, prefiro acreditar que um dia os velhos diários irão voltar, e só precisaremos expor o nosso lado ridículo para folhas em branco.

3 comentários:

  1. Sem contar que também compartilhavam no Facebook, uma texto supostamente evangélico que dizia que "vários jovens viram uma mulher de vermelho na festa, sorrindo para todos enquanto tentavam fugir" e blá, blá, blá... não sei o que é pior, Julinho se promovendo, o Fernando escrevendo aquilo ou esses Evangélicos irritando com palhaçadas e tbm se promovendo em cima do ocorrido...

    ResponderExcluir
  2. Estamos na Era do ridiculo. Não há limites para as bobagens, para o grotesco e para a informação descartável. Aproveito para dizer que as reflexões como do amigo Ticiano são boas para que problematizemos, que tipo de gente surge na mídia, na política, em meio a desastres.

    ResponderExcluir
  3. Realmente não saberia dizer quem foi o pior dos 3... mas "O cérebro de ervilha" foi ótimo, não existiria um nick mais adequado! hehehehe

    ResponderExcluir